segunda-feira, junho 26, 2023

DON VEGA - SÓ PARA COLABORADORES


                                             DON VEGA

                                    Pierre Alary, roteirista e desenhista

                                      A ORÍGEM DE UMA LENDA

 

Depois de fazer MEU TRAIDOR, Pierre continua com DON VEGA, uma revisão do personagem O ZORRO repleta de aventura e, também, de intenção social. Ele é também responsável pelos álbuns como SILAS COREY e SIMBAD.

 PERGUNTA – O primeiro de tudo, por que O ZORRO?

 RESPOSTA – Tinha acabado de criar MI TRAIDOR, uma HQ que adapta a  novela de Sorj Chalandon sobre o conflito da Irlanda do Norte. Queria voltar aos quadrinhos de aventuras, e procurava um personagem com presença, estéticamente enxuto, e ao mesmo tempo queria fazer um western, tentar trabalhar com uma franquia... Então, por que não O ZORRO? Com essa escolha eu poderia fazer justamente o que eu estava querendo, tinha tudo em um. Queria fazer o Zorro, mas não o que todos conhecemos, mas sim através de uma aproximação paralela... Queria evitar o problema que via na máscara, que é uma coisa que nunca me pareceu verossímil. É a mesma coisa que acontece com Superman, não dá pra acreditar que só tirando os óculos já não é reconhecível. Queria fazer um Zorro desconhecido de verdade, por isso mudei a máscara por um capuz que lhe cobre todo o rosto, e ao invés de chamá-lo de Zorro, decidi chamá-lo de Don Vega.

 P – É livremente inspirado na obra original, mas ainda assim, foi preciso uma negociação de direitos autorais?

 R – Tivemos que pagar os direitos para usar o nome O ZORRO, mas foi muito difícil negociar com quem tinha os direitos. Demorou vários meses para conseguirmos resposta, e o acordo para publicá-lo na França chegou quando o livro estava quase concluído. Não conseguimos os direitos para colocar o nome na capa, e do mesmo modo desenhamos a capa de modo que não aparecesse o famoso “Z”, mas sim algo que a lembrava.

 P – Se alguém folhear o álbum, chama a atenção que o protagonista na realidade aparece poucas vezes.

 R – Meu objetivo era fazer um Zorro mais social, mais anarquista, e que seu símbolo fosse algo que surgisse das pessoas. Queria transformá-lo não em um personagem, mas em um mito, uma lenda. Todo mundo pode ser o Zorro, porque ele representa a luta contra os vilões, e qualquer um que colocar o capuz pode encarnar esse ideal. O problema é que quem colocar o capuz precisa ter habilidade para lutar, como se vê nos primeiros acontecimentos do álbum...

 P – Esta é, também, uma história de corrupção e abuso de poder. Sem entrar em detalhes, também tem críticas à igreja, ao machismo...

 R – Não é uma ideia nova, aparece em muitas outras histórias. Há um fundo social porque é algo que se repete ao longo da história; tem um efeito espelho e o presente se reflete no passado e infelizmente não muda nada. Hoje poderia existir um Zorro, porque infelizmente sempre é preciso um herói para ajudar as pessoas a lutar contra o vilão, contra o capitalista... Minha ideia quem sabe era muito pretensiosa, mas meu modelo foi A VOLTA DO CAVALEIRO NOTURNO, de Frank Miller, por sua ideia de retratar um BATMAN como um mito, um líder ao que a sociedade segue e admira.

 P – Se nota muito cuidado nos cenários, existe o perigo, quando se faz uma obra assim, de desenhar um Far West de filme mais que um ligado à realidade histórica?

 R – Não! A ideia era situar a trama no contexto histórico, no qual se passava o momento. Era um período muito interessante para desenvolver a história, o momento  em que estava nascendo o Estado da Califórnia. Inclusive sem se desenvolver muito, era uma base muito boa para situar os personagens, porque então os posseiros estavam expulsando as pessoas de suas terras, e isso fazia com que Zorro, o herói, fosse necessário nesse contexto.  É uma situação que na atualidade continua acontecendo em muitas partes do mundo.

 P – Depois de MEU TRAIDOR, no qual era pela primeira vez roteirista e desenhista, apesar de ser em uma adaptação, aqui criou a história do zero. Foi mais complicado ou você disfrutou de mais liberdade de fazer tudo o que queria?

 R – Não posso dizer que desta vez também tenha sido do zero, porque me basiei em um personagem já existente, todo mundo conhece o Zorro. Eu o considero mais uma adaptação, o personagem já está pronto, a situação também... Só inventei os diálogos.

 P – Bem, talvez você tenha feito mais...

 R – (Risos) Na verdade, só coloquei meu nome no livro.

 P – Falemos do desenho. Uma das coisas que chama a atenção é que também colore e cria as tramas por 90 páginas, algo que classifica como “um pesadelo”. Por que decidiu fazer tudo sozinho?

 R – Em primeiro lugar, por causa dos direitos autorais, o editor pensou que seria melhor que só tivesse um autor, e me disse, “vamos fazê-lo”. Apesar de ter tido um pouco de ajuda de Benolt Bekaert com as cores, realmente foi o primeiro trabalho que me ocupei de todo o processo criativo. Uma vez tomada a decisão, tive que entrar de cabeça nele. Agora continuo fazendo o mesmo com meu novo trabalho, mas com mais páginas.

 P – Outra questão que parece muito bem cuidada é a iluminação das cenas.

 R – Investiguei este tipo de detalhes. Ali, no final do século XIX, não havia eletricidade, mas havia luz a gás. Eu as colocaria ou não colocaria? Nessa época tudo estava mudando. Inclusive as armas, tive que comprovar se determinado modelo de pistola existia realmente naquele momento... Sabia que se cometesse algum erro alguém o detectaria e iria me chamar a atenção, assim procurei fazer tudo muito bem pesquisado.Gosto muito de pesquisar porque assim eu também aprendo história.

 P – Recentemente se comprovou que o mangá cada vez mais tem mais peso no mercado, sobretudo entre os leitores jovens. Você vê isso como uma ameaça ou como uma oportunidade?

 R – Depende. É uma oportunidade para o mercado dos quadrinhos, porque durante a pandemia as vendas cresceram 40% graças ao mangá, isso faz com que os editores estejam em uma melhor situação financeira. E por outro lado se tem o paradoxo de que as livrarias ficaram fechadas por alguns meses e foi um dos melhores anos para o mercado. Tem sido muito bom para os editores, não sei se será também para os autores...

 P – O que você está fazendo na atualidade?

 R – Estou preparando uma adaptação de E O VENTO LEVOU, e novamente farei tudo: roteiro, desenhos e cores. É um projeto para quatro anos e contará com dois volumes de 250 páginas aproximadamente cada um.

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