DON VEGA
Pierre Alary, roteirista e desenhista
A ORÍGEM DE UMA LENDA
Depois de fazer MEU TRAIDOR, Pierre continua com DON VEGA, uma revisão
do personagem O ZORRO repleta de aventura e, também, de intenção social. Ele é
também responsável pelos álbuns como SILAS COREY e SIMBAD.
PERGUNTA – O primeiro de tudo, por que O ZORRO?
RESPOSTA – Tinha acabado de criar MI TRAIDOR, uma HQ que adapta a novela de Sorj Chalandon sobre o conflito da
Irlanda do Norte. Queria voltar aos quadrinhos de aventuras, e procurava um
personagem com presença, estéticamente enxuto, e ao mesmo tempo queria fazer um
western, tentar trabalhar com uma franquia... Então, por que não O ZORRO? Com
essa escolha eu poderia fazer justamente o que eu estava querendo, tinha tudo
em um. Queria fazer o Zorro, mas não o que todos conhecemos, mas sim através de
uma aproximação paralela... Queria evitar o problema que via na máscara, que é
uma coisa que nunca me pareceu verossímil. É a mesma coisa que acontece com
Superman, não dá pra acreditar que só tirando os óculos já não é reconhecível.
Queria fazer um Zorro desconhecido de verdade, por isso mudei a máscara por um
capuz que lhe cobre todo o rosto, e ao invés de chamá-lo de Zorro, decidi
chamá-lo de Don Vega.
P – É livremente inspirado na obra original, mas ainda assim, foi
preciso uma negociação de direitos autorais?
R – Tivemos que pagar os direitos para usar o nome O ZORRO, mas foi
muito difícil negociar com quem tinha os direitos. Demorou vários meses para
conseguirmos resposta, e o acordo para publicá-lo na França chegou quando o
livro estava quase concluído. Não conseguimos os direitos para colocar o nome
na capa, e do mesmo modo desenhamos a capa de modo que não aparecesse o famoso
“Z”, mas sim algo que a lembrava.
P – Se alguém folhear o álbum, chama a atenção que o protagonista na
realidade aparece poucas vezes.
R – Meu objetivo era fazer um Zorro mais social, mais anarquista, e que
seu símbolo fosse algo que surgisse das pessoas. Queria transformá-lo não em um
personagem, mas em um mito, uma lenda. Todo mundo pode ser o Zorro, porque ele
representa a luta contra os vilões, e qualquer um que colocar o capuz pode
encarnar esse ideal. O problema é que quem colocar o capuz precisa ter
habilidade para lutar, como se vê nos primeiros acontecimentos do álbum...
P – Esta é, também, uma história de corrupção e abuso de poder. Sem
entrar em detalhes, também tem críticas à igreja, ao machismo...
R – Não é uma ideia nova, aparece em muitas outras histórias. Há um
fundo social porque é algo que se repete ao longo da história; tem um efeito
espelho e o presente se reflete no passado e infelizmente não muda nada. Hoje
poderia existir um Zorro, porque infelizmente sempre é preciso um herói para
ajudar as pessoas a lutar contra o vilão, contra o capitalista... Minha ideia
quem sabe era muito pretensiosa, mas meu modelo foi A VOLTA DO CAVALEIRO
NOTURNO, de Frank Miller, por sua ideia de retratar um BATMAN como um mito, um
líder ao que a sociedade segue e admira.
P – Se nota muito cuidado nos cenários, existe o perigo, quando se faz
uma obra assim, de desenhar um Far West de filme mais que um ligado à realidade
histórica?
R – Não! A ideia era situar a trama no contexto histórico, no qual se
passava o momento. Era um período muito interessante para desenvolver a
história, o momento em que estava
nascendo o Estado da Califórnia. Inclusive sem se desenvolver muito, era uma
base muito boa para situar os personagens, porque então os posseiros estavam
expulsando as pessoas de suas terras, e isso fazia com que Zorro, o herói,
fosse necessário nesse contexto. É uma
situação que na atualidade continua acontecendo em muitas partes do mundo.
P – Depois de MEU TRAIDOR, no qual era pela primeira vez roteirista e
desenhista, apesar de ser em uma adaptação, aqui criou a história do zero. Foi
mais complicado ou você disfrutou de mais liberdade de fazer tudo o que queria?
R – Não posso dizer que desta vez também tenha sido do zero, porque me
basiei em um personagem já existente, todo mundo conhece o Zorro. Eu o
considero mais uma adaptação, o personagem já está pronto, a situação também...
Só inventei os diálogos.
P – Bem, talvez você tenha feito mais...
R – (Risos) Na verdade, só coloquei meu nome no livro.
P – Falemos do desenho. Uma das coisas que chama a atenção é que também
colore e cria as tramas por 90 páginas, algo que classifica como “um pesadelo”.
Por que decidiu fazer tudo sozinho?
R – Em primeiro lugar, por causa dos direitos autorais, o editor pensou
que seria melhor que só tivesse um autor, e me disse, “vamos fazê-lo”. Apesar
de ter tido um pouco de ajuda de Benolt Bekaert com as cores, realmente foi o
primeiro trabalho que me ocupei de todo o processo criativo. Uma vez tomada a decisão,
tive que entrar de cabeça nele. Agora continuo fazendo o mesmo com meu novo
trabalho, mas com mais páginas.
P – Outra questão que parece muito bem cuidada é a iluminação das
cenas.
R – Investiguei este tipo de detalhes. Ali, no final do século XIX, não
havia eletricidade, mas havia luz a gás. Eu as colocaria ou não colocaria?
Nessa época tudo estava mudando. Inclusive as armas, tive que comprovar se
determinado modelo de pistola existia realmente naquele momento... Sabia que se
cometesse algum erro alguém o detectaria e iria me chamar a atenção, assim
procurei fazer tudo muito bem pesquisado.Gosto muito de pesquisar porque assim
eu também aprendo história.
P – Recentemente se comprovou que o mangá cada vez mais tem mais peso
no mercado, sobretudo entre os leitores jovens. Você vê isso como uma ameaça ou
como uma oportunidade?
R – Depende. É uma oportunidade para o mercado dos quadrinhos, porque
durante a pandemia as vendas cresceram 40% graças ao mangá, isso faz com que os
editores estejam em uma melhor situação financeira. E por outro lado se tem o
paradoxo de que as livrarias ficaram fechadas por alguns meses e foi um dos
melhores anos para o mercado. Tem sido muito bom para os editores, não sei se
será também para os autores...
P – O que você está fazendo na atualidade?
R – Estou preparando uma adaptação de E O VENTO LEVOU, e novamente
farei tudo: roteiro, desenhos e cores. É um projeto para quatro anos e contará
com dois volumes de 250 páginas aproximadamente cada um.
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